Conta uma colega de trabalho, que certa vez passeava tranquilamente numa tarde de sol no Parque Farroupilha (vulgo Redenção), talvez uma daquelas tardes de brique num tempo em que ainda não havia adolescentes calmamente fumando seu baseado ao sol com bebês no colo.
Então, ela ia andando por uma daquelas alamedas verdes que as árvores formam com seus galhos, e de repente...dá de cara com o velhinho que vinha tranquilamente "pitando" o cigarro, amparado pela muleta, com a falta de pressa característica aos que a contagem dos anos é subjetiva, é mero detalhe do passar do tempo. Era Mário Quintana. Minha colega ficou estanque olhando para ele, e ele reciprocamente - ela é uma mulher bonita, despachada, de sorriso largo e olhar decidido. Mário era conhecido pela "contemplação" da beleza feminina, um admirador da alma e do belo aos olhos, de uma forma não excludente; enfim, um bom entendedor do assunto, risos. Ao ver a moça olhando e sorrindo, ele também sorriu e perguntou seu nome.
- Sandra, disse ela. Ele sorriu adivinhando a personalidade por detrás daquele sorriso que se abria como o sol, e disse apenas:
- Sandra, rima com malandra.
Disse poucas palavras, mas que resumiram toda uma história; não era só um nome, era um enigma decifrado.
Quando ela contou-nos o fato, já Quintana havia falecido, deixando um tom de nostalgia no episódio. Ri-me imaginando o quanto a sensibilidade do poeta, do escritor, (que não deixa de ser um leitor de almas), consegue decifrar um sorriso, uma palavra, um olhar. Ele escanenou aquele sorriso que carregava um ar maroto, arteiro, e exprimiu numa só palavra o que aqueles olhos e boca não deixavam mentir: malandra. A malandragem a que Mário referiu-se, creio eu, era essa, a de olhar para alguém e enxergar todo o gingado que essa pessoa possui diante da vida, não era uma conotação simplesmente sexual, embora ele mesmo declarasse que pudores o cansavam mais que o peso da idade, ele não tinha-os, ele tratava-os com enfado, em seus escritos deixava isso bem claro.
Confesso que depois desse episódio, fiquei imaginando se um dia cruzasse com Mário em um café, uma rua, uma alameda qualquer de Porto Alegre, curiosa para saber com qual rima, com qual tema, o poeta enquadraria ou a tristeza de meus olhos ou a exuberância do meu mais feliz sorriso.
"Existe apenas uma idade para sermos felizes, apenas uma epoca da vida de cada pessoa em que é possível sonhar, fazer planos e ter energia suficiente para os realizar apesar de todas as dificuldades e todos os obstáculos. Uma só idade para nos encantarmos com a vida para vivermos apaixonadamente e aproveitarmos tudo com toda a intensidade, sem medo nem culpa de sentir prazer. Fase dourada em que podemos criar e recriar a vida à nossa propria imagem e semelhança, vestirmo-nos de todas as cores, experimentar todos os sabores e entregarmo-nos a todos os amores sem preconceitos nem pudor. Tempo de entusiasmo e coragem em que toda a disposição de tentar algo de novo e de novo quantas vezes for preciso. Essa idade tão fugaz na nossa vida chama-se presente e tem a duração do instante que passa." Mário Quintana
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