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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Amor e revolução



Nada me comovia mais no rosto do velho tenente-aviador, encarquilhado pelo tempo, que o olhar, azul e tristonho. Conheci sua história pelo meu interesse nos idos anos de chumbo, e às vezes ele me esperava na saída do trabalho, e como eu gostava de sentar com o senhor idoso e tomar um café, e ouvir suas histórias do tempo em que perdera a patente militar, a diginidade, e o amor de sua vida. Ele fora descoberto pelos militares como um insurgente, um subversivo, e desde então sua vida desmoronou...

- Os anos de chumbo levaram o amor de minha vida - dizia ele - e nossa, como seus olhos se parecem com os dela, grandes... Eu sorria triste por fazê-lo lembrar de coisa tão doloridas, e pegava sua mão, e dizia:

- Podemos conversar sempre que o senhor quiser.

Ele me falava de como ela era linda, e alegre, e de como rodava a saia quando ele chegava em casa e colocava seu quepe em cima da  mesa, e atirava-a com um beijo ao sofá e o mundo lá fora poderia explodir. Como de fato aconteceu, no dia em que entrou em um avião forçadamente rumo ao desconhecido, e nunca mais a vira.

- Filha, o que mais me ressinto, é não ter pego o lenço que ela deixou cair quando nos separamos, aquele lenço é a lembrança da incerteza, do talvez, do nunca mais...

Ouvi calada, ele me entregou uma calhamaço de papéis, um dossiê, que contava a história toda, e que mostrava um processo que abrira para recuperar seu nome, sua vida. Recebera uma indenização, mas  falava que nada, que tudo que fosse feito, iria recompensar a eterna dúvida do que poderia ter sido e não foi...

Tortura, nunca mais.




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