Papo de cafézinho, felicidade e cuca...

 O pensamento liberta a dor. Depois de sentir a primeira dor da descoberta do pensar, doerás sempre...

Sabe aquela hora do dia que a gente pára tudo no escritório, na repartição, e por uma obrigação daquelas necessárias ao labor diário, a gente desliga o botão da linha de produção e ri à toa das bobagens e das cantadas de um colega mais sem-noção?

Pois bem, a hora do cafézinho é a mãe de todas as tiradas filosófico-psico-existenciais, nossa hora do recreio rende muito mais que uma hora de analista bem paga, se for o caso.

Então...nesse dia reunimo-nos sob o cheiro bom do café e da cuca* paga por um colega generoso, e nos dispomos a falar sobre a felicidade, ou a ausência de. Nosso viés era mais especificamente o trabalho. Conseguimos identificar posições teóricas (tem isso!) diversas, mas uma chamou atenção: a do indivíduo que consegue ver tudo "cor-de-rosa", ele pode estar sendo massacrado, coagido, acuado, mas mesmo assim acha que poderia ser pior... Tudo bem, desde que esse ser-humano não fizesse isso sob a perspectiva de não ter outra alternativa a não ser declinar, tapar os olhos para a realidade que o cerca e se ajustar ao espinheiro que é o seu habitat diário. Justifica seu desânimo perante a vida e as coisas, no conformismo, disfarçado de animação retórica desmedida.

Concordamos, depois de mais uns goles, que se acaso "ser" feliz é dizer "bom dia sol, bom dia flores, oi vida, oi calor do dia, não adianta reclamar, questionar, temos que lembrar de quantos gostariam de estar em seu lugar!", então, nós os infelizes, insatisfeitos, que não conformam-se com as injustiças, que enxergam que seu lugar é aquele mas não necessariamente é o melhor são uns inconformados, meros estraga-prazeres (mesmo que baratos). Somos os mesmos que lutam contra a  propagação desta falsa felicidade que é o veneno inoculado que nos cega, engessa, neutraliza nossos sentidos para que não se enxergue a grande enganação que são estes sentimentos tirados de algum livro de auto-ajuda de uma banca de revistas qualquer.

Dividi mentalmente em dois grupos meu ambiente de trabalho: os súditos do rei nú e os que revelam sinceramente a nudez explícita porém convenientemente disfarçada.

Mas bem que essa "divisão" cairia em muitos outros aspectos de nossa existência.

Esse negócio de "seja feliz e esqueça o que passou", "a felicidade está dentro de você", "você é um pontinho no Universo, como vc é importante",  só serve para o sr. que dá palestras motivacionais que só alegram seu bolso e esvaziam sua inteligência e postura crítica diante da vida. Quero deixar bem claro que não estou fazendo apologia a" psicologia da insatisfação e da infelicidade", da angústia e todos estes sentimentos opressores, somente trazendo uma reflexão em cima do que vemos por aí e nos anestesia diante da tremenda injustiça que é nossa realidade social, passando pelos níveis organizacional, emocional e até fisico. Não são acusações, nem busca de culpados, são sintomas de nossa vida hipermoderna, de nosso "querer estar bem e não mal" ainda que ilusório. Meu saudoso pai diria: "tapamos o sol com a peneira".

Temos problemas estruturais graves, convivemos diariamente com hipocrisia nos meios que transitamos, ela está presente na religiosidade farisaica, nos relacionamentos falidos, na exploração do trabalho, nas relações de poder. Somos seres que são programados para trabalhar, comer, ter algum sexo eventual, e tomar remédios para aliviar a dor, seja física ou emocional.

É possivel sim, ser feliz, sem estudos norte americanos que "medem" o nivel de felicidade (como as pessoas adoram isso!), sem livros de ajuda-interior absurdamente caros para conteúdo tão raso, sem disfarces, sem máscaras, sem contratos de gaveta.

É possível sim ser feliz, desde que a gente propague aos quatro ventos nossa vida colorida mas não chore a noite para o travesseiro ouvir, não encharque os sentidos com ilusões sejam elas quais forem, não adicione em sua vida as drogas lícitas que nos fazem achar que somos satisfeitos.

Em cima desse "teorema da insatisfação", do não conformismo, talvez seja mais eficiente construir um caminho onde a gente não pise em pedras falsas pintadas de branco, mas que se resvalarmos nestas, descasquem a tinta diluída (pra render) e revelem o limo podre oculto em sua superfície.

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E finda  mais um café-de-fim-de-tarde fria com meus caros colegas; mentalmente agradeci-os por terem contribuído para mais um post (risos).



*Cuca: espécie de pão/bolo de origem alemã, recheado com frutas, doce de leite ou chocolate, coberto com farofa doce, muito apreciado no sul do Brasil.