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quarta-feira, 18 de maio de 2011

A loucura de todos nós.

Em um evento que reunia Psicologia e Cinema, promovido na universidade onde curso a graduação, fomos convidados, eu e um grupo de colegas, a fim de criar discussões em torno do tema "psicologia e cinema", já que havíamos produzido um filme que envolvia o tema. Foi um trabalho amador, tivemos umas poucas aulas com especialistas do assunto, mas que resultou em aprendizado mútuo, e chegou em lugares onde nem mesmo imaginaríamos. Quando nos reunimos como diz-se "com uma câmera na mão e uma idéia" tínhamos apenas esboços do que viria, e agora colhemos os frutos dessas andanças, pois aprendemos muito com todos os acontecimentos.

Não tenho autorização para exibir aqui o filme, visto que as pessoas envolvidas assinaram um termo para divulgaçao de sua imagem em âmbito acadêmico ou festivais do gênero, mas trago aqui uma experiência que tive no evento citado, onde houve exibição do documentário, no auditório lotado de alunos, professores e usuários do sistema de saúde pública mental.

Pra entender essa história, é preciso entender um pouco da história do antigo sanatório Hospital São Pedro, desativado há alguns anos mediante intervenção da luta antimanicomial, que foi um marco na história da sáude mental no país.

Tenho privilégio de ter como professora uma das que ergueram a bandeira desta luta, a qual trouxe neste dia uma das usuárias do sistema para assistir nosso filme.  Devidamente engajada na idéia de retomar sua vida, atualmente trabalha no hospital onde já passou por momentos turbulentos, como "terapias" de eletrochoque (ECT) conforme ilustra a reportagem do Profissão Repórter, feita com ela no São Pedro. O programa é ancorado por um dos repórteres mais competentes deste país, Caco Barcellos.





Dona Eloisa estava presente neste dia na Universidade, vestindo o mesmo blusão de lã (fazia muito frio) da reportagem, e saí de lá com profundas reflexões a respeito dela, de mim e de todos nós. Ela nos contou que nunca esquecerá o dia que recebeu na porta de casa suas primeiras contas de luz e água para pagar, em seu nome; foi uma das falas que me deixou sem fala.

Havia uma outra ex-paciente do sistema, presente no evento, que cantou uma canção que posteriormente conseguirei a letra para expor aqui, é uma canção muito lúcida, que joga na nossa cara o preconceito e displicência com que tratamos o assunto. Nos desafia questionar até que ponto nós, os "normais" nos achamos no direito de maltratar, julgar e condenar os que chamamos de loucos. Na subjetividade de sua "loucura", estas pessoas, produzem, cantam, trabalham e em sua maioria, nada correspondem as nossas piadas e chacotas a respeito de sua condição.

Parece que é muito mais confortável, como no conto de Machado, alienar o diverso, o estranho a nós.

Ficou o questionamento do motivo pelo qual nos assustamos com a simples idéia de que pode haver genialidade, esperança, alegrias, sonhos, por trás de tanta dor, tantas marcas e estereótipos, pois é um desafio a nossa convenção do que é ser "normal".

Um comentário:

  1. Dona Eloísa contou-me que Tiago, o aprendiz de repórter q a entrevistou, não quis entrar na sala onde antigamente aplicava-se o ECT, ele teve uma crise de choro e não conseguiu visitar o lugar.

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